Revitalização
Um lar para quem não tinha
Prédio servia de abrigo para usuários de drogas e era ponto de descarte de materiais roubados
Jô Folha -
Há quase dois anos, uma casa aparentemente abandonada serve de moradia a quem antes não tinha um lar. O prédio, localizado na esquina das ruas Álvaro Chaves e Benjamin Constant, servia de abrigo para usuários de drogas e era ponto de descarte de materiais roubados. Hoje, está sendo gradativamente revitalizado pelos responsáveis pela ocupação Canto de Conexão.
O movimento iniciou em março de 2016, motivado por cortes na educação promovidos pelo Governo Federal. Na época, estudantes secundaristas também ocuparam suas escolas em forma de protesto. No ensino superior, a diminuição do número de bolsas do Programa de Iniciação à Docência (Pibid) foi a razão para a maior parte dos protestos. Foi neste cenário que surgiu a Canto de Conexão. Além de servir de moradia, a ocupação pretende ser um espaço cultural e de debates sobre a especulação imobiliária no município.
Otávio Segal, um dos ocupantes, era aluno da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Quando concluiu o curso que estava fazendo, perdeu também os auxílios recebidos e não conseguiu ingressar no mercado de trabalho. Ele é natural do Espírito Santo e morava de aluguel na cidade. Sem verba, acabou ficando sem casa e encontrou na ocupação um lar. A casa também serve de moradia a outras 11 pessoas, entre elas estudantes, trabalhadores, desempregados e até crianças.
Os moradores estimam que o prédio seja frequentado por cerca de 50 pessoas além dos residentes. Eles veem no lugar um espaço para divulgar seu trabalho e debater assuntos de interesse da comunidade. Outra peculiaridade do local é a horta coletiva. A iniciativa foi proposta pelos moradores, mas a peça fundamental à execução e manutenção do projeto é o seu Waldemar Dillmann. O ex-habitante da colônia trabalhou por muitos anos com agricultura. Foi ele quem deu a orientação sobre técnicas de plantio para os jovens ocupantes. “Eles queriam fazer a horta, mas não sabiam por onde começar”, recorda.
Com dificuldades para caminhar, Dillmann se ocupa em orientar - e fiscalizar - o trabalho. As lições dadas por ele sobre como limpar, capinar, regar e plantar foram valiosas e são seguidas até hoje pelos ocupantes. Os cuidados com a horta demandam cerca de quatro horas diárias de dedicação. Os frutos são comunitários e podem ser aproveitados pela população.
Segundo Dillmann, a principal transformação presenciada no local foi o aumento da segurança. “Ninguém podia passar aqui na frente”, lembra. Ele conta que presenciou muitos assaltos em frente ao prédio, além de casos de assédio. A construção servia de abrigo a ladrões e usuários de drogas. Também era destino de muitos materiais roubados. Durante a limpeza do local, os ocupantes relatam ter encontrado diversos documentos - alguns datavam da década de 1970. O lixo acumulado no local, aliás, impressionava. “Juntamos toda a sujeira aqui na frente e foi suficiente para preencher a quadra por toda a extensão”, conta Otávio.
Referência em cultura
A ocupação Canto de Conexão tem uma forte relação com a Associação do Hip Hop. Em setembro de 2015, o movimento já havia ocupado o prédio para realizar um sarau de poesia e cursos de boxe. Um dos integrantes da associação, Giovane Lessa, é morador da casa.
Incentivar a cultura e integrar a periferia ao centro são alguns dos objetivos da ocupação. Para isso, a ideia é transformar o segundo andar da residência em espaço para moradia e dedicar o térreo à promoção da cultura. Um palco nos fundos da construção também está sendo finalizado. “Queremos que a casa seja um espaço para dar visão a projetos”, resume Otávio. “É essa a conexão que a juventude precisa”, finaliza.
Espaço também para quem vem de fora
A ocupação Canto de Conexão também é um espaço para turistas que vêm a Pelotas e não têm um lugar para ficar. Devido à rotina da residência, que exige tanto ou mais trabalho quanto um lar comum, essa possibilidade foi descartada nas primeiras semanas de ocupação. Porém, os ocupantes voltaram atrás e decidiram abrir o espaço a viajantes e hoje recebem pessoas de todo o país.
Não encontrado
A reportagem não conseguiu identificar o atual dono do imóvel. Até 1996, a propriedade pertencia à Capitania dos Portos, ano em que foi trocado por outro imóvel. O novo proprietário vendeu a residência e não soube especificar quem foi o comprador. O prédio não consta no Segundo Registro de Imóveis, responsável pela zona do Porto, e na Prefeitura o proprietário ainda consta como Capitania dos Portos.
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